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Belina e o Mundo dos Homens

Foto do escritor: SAUDE&LIVROS FommSAUDE&LIVROS Fomm

Atualizado: 8 de jan.

por Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano

(conto do livro "A Menstruação e Seus Mitos")



Belina Marinelli, filha de uma tradicional família de industriais paulistanos, era considerada, desde jovem, no mínimo, uma excêntrica.


Enquanto todas as moças da sua geração sonhavam com o príncipe encantado e um lar próspero e cheio de filhos, enquanto recortavam fotografias de seus ídolos do cinema americano, enquanto viajavam para Campos do Jordão,Guarujá e Paris, escolhiam vestidos para as festas de sábado à noite e flertavam, nos bailes, com os melhores partidos da sociedade e namoravam, às escondidas, dentro dos carros em lugares ermos como o mirante do Morumbi, Belina lia. E lia. E lia.


Quando não estava lendo ou não estava no colégio, podia ser encontrada na hípica, onde passava horas treinando montada em um dos dois belos cavalos árabes que ganhara do pai.


Não se importava muito com a aparência física, cortava cabelo e unhas bem curtos (Para não dar trabalho, explicava-se) e pouco parecia se interessar por rapazes, romances ou artistas de Hollywood.  Também não cultivava amizades, nem masculinas nem femininas e nunca foi vista trocando confidências ao telefone. Era essencialmente prática. Cumpria os rituais familiares no que se refere às obrigações sociais, como estar presente aos jantares e comemorações e enterros de família. Nessas ocasiões, geralmente provocada por primas, incomodadas com seu comportamento sempre estranho, costumava causar um certo escândalo ao afirmar que não pretendia, jamais, ter filhos ou sequer se casar.


Costumava afirmar também que as mulheres eram todas tolas e fúteis e que havia questões muito mais importantes na vida do que saber preparar o jantar, colocar a mesa ou ser mestre na arte da maquiagem. E, ainda, que, para a sociedade, as mulheres seriam mais úteis caso se interessassem pela política e pelo voto consciente e, mais, por contribuir para o aperfeiçoamento das relações profissionais através da adição de um jeito feminino de ser ao estúpido e agressivo modo masculino na condução das empresas e na relação com os empregados.

As moças argumentavam:

- Mas, Belina, se fosse assim, quem seria responsável pelos cuidados e administração do lar?


- Governantas profissionais  e mordomos – respondia ela.


- Mas quem ia cuidar das crianças?


- Enfermeiras especializadas em puericultura e professores.


- E os pobres, que não podem pagar por esse serviço?


- Se as mulheres trabalhassem fora, todos poderiam pagar pelos serviços. As famílias, mesmo as pobres, teriam o dobro da renda que têm com apenas o homem trabalhando.


As outras riam: imagine, trabalhar e ir para a guerra é coisa de homem!  Já os primos e irmãos temiam, no fundo de seu ser, que aquela estranha garota, mais tarde, resolvesse se meter nos negócios da família.


O que realmente não tardou a acontecer. Quando, no fim dos anos 1950, Belina completou 18 anos e já se preparava para entrar na faculdade, anunciou, durante o jantar da família, que ia se matricular no curso noturno para poder começar suas atividades na fábrica do pai.


O velho senhor, um filho dos primeiros imigrantes italianos que haviam prosperado no ramo dos tecidos, não se abalou. Respondeu calmamente:

- Não queremos mulheres na fábrica.


- Mas, pai! A maioria absoluta dos seus operários é mulher!


- Isso é diferente – respondeu ele pousando os talheres e olhando bem nos olhos dela – Você por acaso quer ser operária?


- Por que não? – respondeu ela, desafiadora.


- Não seja ridícula! – explodiu o irmão mais velho, engenheiro formado,  que estava sendo treinado na administração da fábrica para quando pai resolvesse se aposentar – Você não tem nada melhor para fazer do que ficar falando bobagem? Deixe as coisas dos homens com os homens.


- Eu discordo – disse o irmão mais novo, que cursava o último ano da faculdade de direito e, como Belina, era um devorador de livros -  Nos Estados Unidos, principalmente nos últimos anos depois da Guerra, cada vez mais as mulheres assumem postos de trabalho nos escritórios. E não porque elas precisem, como as nossas operárias, do dinheiro do ordenado, mas principalmente porque elas querem se realizar através de uma atividade. Eu sei que vocês acham, principalmente você, mãe, que a Belina deveria se preparar para um bom casamento e levar uma vida mansa, com o que, aliás, ela está bastante acostumada, mas todos nós sabemos que não é isso que ela quer da vida. Acho que ela tem tanto direito, como você ou eu (dirigia-se agora ao irmão) de ter um posto dentro dos negócios da família.


- Você enlouqueceu! – vociferou o mais velho, levantando a voz e logo recebeu um olhar gelado e repreensivo da mãe – O que é que essa fedelha vai fazer lá? Apenas criar mais problemas do que já temos!


Foi uma discussão difícil. Mas o irmão mais novo, que geria o departamento do pessoal na fábrica, acabou convencendo a família de que Betina poderia assumir o lugar da Dona Eunice, uma ex-operária que ficava na portaria e era encarregada da revista e da disciplina das 70 operárias que manuseavam os teares. Isso porque, segundo ele, a tal da Eunice, depois de velha, resolvera entrar para o Sindicato dos Têxteis, tendo sido mesmo a responsável pela organização do Departamento Feminino da instituição e sendo a sua Diretora Bibliotecária. Assim, segundo o irmão mais novo, não era de longe a pessoa mais indicada para aquela função e tinha mesmo feito vista grossa para a gravidez de uma das operárias.


Nesse ponto a mãe se interessou:

- Mas como é que a coitada da funcionária ia saber que a outra estava grávida?


Os homens se entreolharam constrangidos. O mais novo respondeu:

- Elas são sempre revistadas e a encarregada da portaria, nesse caso a Eunice, tem uma planilha onde marca o dia em que elas estão...bem...você sabe.


- Vocês controlam as regras das operárias?! – perguntou a mãe, assustada.


- Não podemos ter operárias grávidas e também não queremos mulheres com filhos. Elas acabam sempre brigando, querendo amamentar as crianças na fábrica, querendo que nós montemos as tais das creches – explicou o pai.


- E você acha, caro irmão – disse o mais velho – que substituir a Eunice por essa pirralha grã fina vai dar certo? Ela não agüenta uma semana de convivência com aquelas mulheres rudes. E as operárias vão ficar ainda mais hostis... – calou-se de súbito.


- Mais hostis? – perguntou a mãe.


- Existe sempre um clima de hostilidade entre patrões e empregados, minha cara. Aqui em casa também não é diferente.


- Vocês façam o que quiserem – disse o mais velho – Mas eu sou contra. Belina não é capaz de dar conta do trabalho pesado de gerência da revista e dos pontos das operárias.


- Sou capaz de tudo – disse por fim Belina, com ar solene.


A mãe finalmente resolveu se manifestar:

- Acho que Belina é capaz, sim, de assumir algumas funções na fábrica. Não é do meu gosto, mas se é o que ela quer...Quanto a se fazer respeitar pelas operarias, isso será fácil para ela. Nossas empregadas aqui de casa a respeitam muito mais do que a certas pessoas... – completou, olhando enviezado para o filho mais velho que, ela sabia, andara dormindo com a arrumadeira.


E assim começou uma nova fase na vida de Belina. A mãe tinha razão e, apesar dos cochichos sobre a filha do chefe ter tomado o lugar de Eunice (que não fora demitida pois tinha uma indenização muito grande a receber por tempo de serviço, e sim transferida de função), apesar a pouca idade e nenhuma experiência da menina, ela era muito séria e justa no trabalho e foi conquistando a simpatia de todos. No final de um ano, três operárias estavam grávidas, Belina vivia amolando os pais e os irmãos para que montassem uma creche, o que era motivo de discussões infindáveis em casa.


Havia um mestre na oficina de teares, um parente distante e da parte pobre da família. Belina descobriu que ele trocava favores em dinheiro por favores sexuais de algumas empregadas. Indignada, invadiu a sala da diretoria para protestar contra aquele abuso. Seu irmão mais velho perdeu a cabeça e disse ao pai:

- Não agüento mais! Aqui na fábrica, ou ela ou eu!


Foi ele, é claro e assim terminou a breve carreira de Belina nas indústrias da família. Mas, naquela semana, num jantar oferecido por seus pais, a garota ouviu um tio dizendo que estava pensando em lotear algumas terras de sua propriedade e que se estendiam desde a parte baixa da Avenida Morumbi, para o sul, até uns 10 kms adiante.

- Tio, quer que eu monte uma imobiliária e administre o negócio para você? – foi logo perguntando ela.


- Mas o que é que você entende disso, minha filha?


- Nada. Mas posso aprender.


E aprendeu mesmo. No dia seguinte procurou o pai de uma conhecida sua da faculdade e pediu a ele que a deixasse trabalhar em sua imobiliária. O homem ficou assustado, mas logo percebeu que Belina, com seu jeito determinado, daria uma boa corretora, além de que, com sua educação esmerada, seria ideal para atender aos clientes mais finos.


Depois de conseguir o emprego, ela ligou para o tio:

- Já estou empregada como corretora numa grande imobiliária. Quando é que você está pensando em começar o seu negócio do Morumbi “fundos”?


O tio caiu na risada. Morumbi fundos, só mesmo essa menina.

- Ah, Belina. Agora ando muito ocupado. Isso foi só uma idéia.


- Da pra esperar uns meses?


- É... é coisa mesmo para daqui um ano...não sei.


Quando irrompeu o ano de 1963, apenas três anos depois dessa conversa, Belina era responsável por uma equipe de mais de 50 corretores, tinha seu próprio escritório e estava sendo muito bem sucedida vendendo as terras do tio no tal Morumbi fundos, que se tornaria, décadas depois, um dos bairros mais cobiçados pela emergente classe média alta paulistana. Abandonou a faculdade, comprou um apartamento nos Jardins e dirigia seu próprio carro e tudo isso sem pedir um centavo ao pai! Além disso, continuava freqüentando a Hípica e era responsável pela manutenção de seu caríssimo esporte.


Ficou muito conhecida na sociedade paulistana. As mulheres a invejavam e os homens, apesar de seu pouco sex-appeal, estavam todos de olho nela. Com o tempo, masculinizou bastante a sua imagem. Fumava, usando uma longa piteira, usava roupas de corte masculino, blasers e saias justas, com poucas jóias, o cabelo sempre a la garçonne, só tomava uísque cowboy e era conhecida por não ter papas na língua. Muitos acreditavam que ela fosse homossexual, mas, ao contrário do que  sempre afirmara, apaixonou-se por um alemão que viera trabalhar no Brasil e casou-se com ele, embora nunca viesse a ter filhos.


Na faculdade se aproximara do pessoal da esquerda e chegara mesmo a freqüentar algumas reuniões da base da AP. Mas, quando a Ditadura militar se instalou no Brasil, Belina achava todos os jovens socialistas primários e retrógados e ria das conversas sobre luta armada. Como é que esses caras, meia dúzia de gatos pingados, querem enfrentar o exército com umas armazinhas de merda, essas metralhadorazinhas INA com as quais eles assaltam bancos?


Em 1965, no auge da carreira, casada com o diretor do banco alemão,sendo ela figura conhecida, temida e respeitada na sociedade paulistana, Belina começou a sofrer de súbitas cólicas. Já fizera dois abortos, antes de começar a tomar a tais das pílulas anticoncepcionais, que mandava vir dos Estados Unidos, sob recomendação do seu médico, que não confiava no produto nacional.


- Aqui no Brasil, dizia ele, as mulheres estão tomando as pílulas que lá nos Estados Unidos ninguém aceita mais. Já existem remédios melhores, agora.


Primeiro, Belina julgou que as súbitas dores que sentia no pré-menstrual e durante a menstruação, fossem conseqüência dos anticoncepcionais.  Depois, imaginou que fossem seqüelas dos abortos. Andava ocupadíssima com o acúmulo de funções: sua imobiliária crescera muito, ela administrava mais de 150 funcionários e atendia às inúmeras construtoras que, cada vez mais, se encarregavam de verticalizar a cidade, construindo edifícios de apartamentos e escritórios, principalmente na região da Avenida Paulista.


A fábrica de tecidos do pai sobrevivera a duras penas às instabilidades econômicas e ela, hoje, sem contar o dinheiro do gordo salário de executivo do marido, era, de longe, muito mais rica do que a própria família. Além de estar à frente dos negócios, tinha a trabalheira da casa, o marido sempre a receber figurões da economia e da política e ela tendo que administrar jantares e empregados moleirões. As cólicas vinham de repente e a pegavam de surpresa. Mas ela tomava analgésicos e procurava esquecer o assunto. Quando começou a sentir as tais dores também durante as relações sexuais, convenceu-se que era hora de procurar o médico.


- Belina, disse ele depois do exame, eu posso afirmar com 99% de acerto que você está sendo vítima de uma doença que sempre foi considerada rara mas que, nos países desenvolvidos, vem vitimando algumas mulheres. Todas essas mulheres se enquadram no que eu chamaria de seu perfil: não tendo filhos, menstruam o tempo todo; levam uma vida estressada e competitiva, num mundo masculino, o que as faz ter pouca convivência com suas peculiaridades de mulher.


- Nossa, doutor – disse ela, já achando engraçado – que doença é essa?


- São pequenos “cistos”, que nós médicos chamamos de implantes, que se formam fora do útero, contendo tecido endometrial e o sangue menstrual.


- Tecido endometrial?


- Endométrio é a parte interna do útero, é a camada de tecido e sangue que se forma para “acolchoar” o útero e prepara-lo para receber o óvulo fecundado e, assim, proteger o desenvolvimento do feto. Quando não há a fecundação, essa camada se desfaz e desce pela vagina em forma de menstruação. O problema é que todas as mulheres menstruam também para dentro e, sem ter como escoar, o organismo “isola” esse sangue em uma espécie de “bolsa” e forma o que chamamos de implantes endometriais, ou seja, a endometriose.


- E tem cura?


- Ficar grávida e parar de menstruar é uma possível solução.


- Grávida, eu, doutor? Nem pensar.


- Também se pode remover os focos de endometriose cirurgicamente.


- Mas por que é que isso acontece?


- Ninguém sabe. Mas costuma acontecer, como eu disse, com mulheres que tem o seu tipo de vida e que menstruam sem parar.


- Então se eu estiver grávida e não menstruar, pararei de fazer essa tal de endometriose, correto?


- Sim. E ainda existe a influência dos hormônios. Grávida, seu organismo produzirá menos estrogênio.


- E se o senhor me operar e tirar esses focos, meu corpo, depois, fará novos focos?


- É provável.


- Doutor, eu não pretendo ter filhos. Tenho que ficar tomando essas pílulas que me incham toda, vivo de regime, sofro como louca agora com essas cólicas e toda essa encheção desse negócio de menstruar. Por que o senhor não me opera de uma vez e arranca toda essa coisa inútil, que são meus órgãos reprodutivos e só servem para me fazer sofrer?


O médico fitou-a, quase horrorizado. Depois sorriu:

- De jeito nenhum. Você entraria em menopausa e só tem 34 anos!Sem os seus hormônios você envelheceria mais rápido, teria todos os incômodos da menopausa, calores, tudo isso.


- Mas, o senhor me corrija se eu estiver errada, não são os ovários que fazem os hormônios?


- Sim.


- E o útero faz apenas menstruação e, no meu caso, endometriose?


- Sim.


- Então está resolvido. Vamos tirar só o útero!


O médico não  pode evitar a risada. Conhecia Belina desde jovem e sempre admirara a impetuosidade dela, a coragem e a determinação.


- Mas, Belina. Não posso fazer isso. A presença da endometriose não é motivo suficiente para uma histerectomia. Existem outras maneiras. Você pode tomar medicamentos, posso até fazer uma cirurgia para remover os implantes, podemos balancear melhor a sua alimentação... E, além disso, você ainda é jovem, pode querer ter um filho.


- Já tenho 150 filhos na empresa e 8 em casa, que são meus empregados e dependentes. Não quero filho nenhum. Nunca quis. Sempre detestei a idéia de que me dessem valor pela minha prole e por meu papel matriarcal e não por mim mesma. Pode ficar tranqüilo, doutor. Arranque o meu útero e me livre dessas dores horríveis e imprevisíveis. E, ainda por cima, dessa maneira me livrarei também dessa porcaria de anticoncepcionais!


O médico balançou a cabeça. Essa menina era mesmo impossível.  Lembrou-se da dificuldade que sempre enfrentava com mulheres que precisavam, por qualquer razão, se submeter à histerectomias. Normalmente elas ficavam chocadas, sentiam-se lesadas, como se, perdendo o útero, fossem perder também a sua identidade feminina. Choravam muito, ficavam cheias de medos bobos. Achavam que seus maridos as repudiariam como incapazes para a vida sexual e uma série de outros mitos, que ele precisava, com muita paciência e compreensão, tentar faze-las superar. E quase sempre fracassava nisso. Agora vinha Belina, alegremente, convencida de que sua vida sem útero melhoraria muito!


- Desculpe, Belina. Mas a retirada do útero não é indicada para o seu caso. E tem mais uma coisa que você nem me deixou falar. Tirar só o útero não vai resolver porque os seus ovários continuarão fabricando os estrogênios e a endometriose é dependente dos estrogênios. Em casos muito graves, nós realizamos a chamada pan histerectomia. Temos que tirar úteros e ovários também. Você se livraria da pílula mas teria que tomar hormônios para evitar sintomas da menopausa, como eu já disse, os calores, o risco de ossos fragilizados pela osteoporose...


- Ah, doutor, por favor! O senhor pode fazer isso! Vai ser ótimo para mim. Ou será que devo arrumar um câncer para que o senhor me faça uma histerectomia?


- Belina, nem fale nisso! Pelo amor de Deus. Isso não é tema para brincadeiras – disse o médico, irritado.


- Mas o senhor mesmo acaba de dizer que casos graves de endometriose exigem a retirada desses órgãos.


- Graves, Belina. Eu ainda não sei a extensão da gravidade do seu caso!


No entanto, era grave. E o médico acabou optando pela pan histerectomia e, depois da operação, Belina começou a tomar hormônios para evitar os sintomas da menopausa.


Teve um pós-operatório absolutamente tranqüilo e recuperou-se mais rapidamente do que era esperado. O que fez o velho médico pensar, mais uma vez, que a atitude do doente em relação à própria doença era fator determinante da evolução, boa ou ruim, de sua recuperação.


Quando, em 1971, a matriz chamou o marido de Belina de volta à Alemanha, ele comunicou a ela que deveria desfazer-se, em no máximo dois meses, de sua empresa para poder voltar com ele ao seu país natal.


- De jeito nenhum! – foi a resposta.


- Mas, Belina, eu tenho que ir.


- Vá. De vez em quando eu dou uma escapada e vou te ver lá na Alemanha, mas renunciar aos meus negócios, nem pensar!


- Eu não sou homem de viver sem mulher. Se você não for comigo, acabarei arrumando uma esposa por lá mesmo – ameaçou ele.


- Pois aí, amor, em vez de ir para a Alemanha, eu vou de vez em quando à França e nos encontraremos lá.


O marido partiu sem ela.


Seus negócios cresceram ainda mais quando da falência da fábrica do pai, no começo dos anos oitenta. Seus irmãos, o mais velho engenheiro e o mais novo advogado, uniram-se a ela e montaram uma construtora que, associada à imobiliária, que já era grande, teve um enorme sucesso.


No começo dos anos noventa, Belina era uma empresária respeitada, de absoluto sucesso, embora ainda continuasse sendo considerada uma excêntrica, um tanto masculinazada, com uma língua ferina e um insuperável tino para farejar excelentes negócios. Derrotava impiedosamente os concorrentes, mas seus empregados a amavam, pois ela instalara nas empresas um excelente sistema de benefícios. Ela também os amava e dizia freqüentemente que eles eram a sua família. Tratava-os com respeito, tinha sempre tempo e paciência para resolver-lhes os problemas, mesmo alguns problemas pessoais.


Morreu de enfarte, em 1993, depois de uma reunião de negócios na sede do Citybank.


Curiosamente, naquela tarde, fora para casa no carro de um amigo, que lhe emprestara o veículo e o chofer e tivera, parada no congestionamento, uma estranha alucinação: pensara ter visto e ter conversado com o fantasma de Joaquim Eugênio de Lima, o fundador e idealizador da Avenida Paulista e, portanto, um empreendedor como ela, que criara o símbolo de S.Paulo em 1891.


Entrou em casa impressionada pela estranha visão daquele aristocrata transparente, sentado com ela no banco de trás do luxuoso carro com chofer. Morreu naquela noite, dormindo. Seu enterro foi concorrido, muita gente foi dizer adeus àquela empresária bem sucedida, meio mandona, que não tinha útero nem ovários mas fora, acima de tudo, uma admirável mulher.

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