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Fronteiras

Foto do escritor: SAUDE&LIVROS FommSAUDE&LIVROS Fomm

por Stela Maris Grespan


Kobra, Mural 2020
Kobra, Mural 2020

Nestes tempos de discussão sobre imigração e deportação, lembro-me sempre de que sou filha de imigrantes que, por razões políticas, econômicas, aventureiras, se dispuseram a enfrentar um novo mundo e tecer novas histórias. Algumas tiveram finais felizes, outras nem tanto.


Certa vez, percorrendo, com minha mãe e irmão, o norte da Itália, minha origem paterna, chegamos a Trento, lugar famoso pelo Concílio da Contrarreforma Católica. Por 2 décadas e 25 reuniões, os doutores da Igreja estabeleceram inúmeras regras para a doutrina e ratificaram seus principais dogmas. Na visão do Papa Paulo III o Concílio manteria a união dos católicos, essencial para a sobrevivência da Fé ameaçada pelo movimento de Reforma Protestante iniciado por Lutero.


Toda esta minha conversa para relembrar a emoção que me congelou, ao deparar-me com a placa de bronze na parede da belíssima Catedral de Trento. A memória cristalizada em bronze celebrava a primeira leva de famílias de imigrantes de língua italiana, para o Brasil, daquela região de Trento/Vêneto, então pertencente ao Império Austríaco. Em 2 de janeiro de 1873 partiram, do Porto de Genova no navio Sofia, dezenas de famílias empobrecidas pelo bloqueio econômico do recém criado Reino da Itália ( o mal que faz um bloqueio econômico!!).

Atraídos pelas promessas ilusórias do Império do Brasil, quantos enfrentaram a morte nas águas oceânicas por um punhado de terras?


Por conhecer a história futura que a placa encerrava, os desafios enfrentados pelos migrantes, em meio a florestas, encostas de serras, sem instrumentos adequados, sem meios para sua defesa, dormindo ao relento ou no interior de grandes umbus, chorei! Ah! chorei! Um dos momentos mais emotivos que relembro. A grande pobreza então vivida, a ânsia por terra e seus frutos, comida e prosperidade foram os grande motores da imigração do século XIX para este país.


No século seguinte, das grandes guerras mundiais, as razões ultrapassaram a pobreza de então e o exílio político e religioso, para o país e a todos outros do Continente Americano, ganhou relevância.


Neste novo milênio, infelizmente, assistimos ao maior fluxo migratório de que temos notícias. Milhões de pessoas deslocadas, arrancadas de suas raizes, culturas, idiomas, em fuga pela devastação causada, maiormente, por revoluções étnicas e crenças religiosas, guerras, invasões estrangeiras pelo poder hegemônico de seus Estados Imperialistas. Choro por eles!


Por muitas razões, nutro sentimentos complexos em relação aos migrantes internacionais. Muitos saem para estudar, acabam por integrar-se - às sociedades, constituindo laços de família; ou às artes; ou à intelectualidade; ou aos negócios, enfim. Jovens a quem os países de origem não oferecem perspectivas de desenvolvimento de suas capacidades. Triste. Outros, sacrificam-se para fazer um pé de meia e retornar num futuro incerto. Outros são criminosos fugindo da lei e sabemos que continuarão sua vida de crimes e, mais cedo ou mais tarde, serão presos ou deportados. Há, ainda, bandidos de outra espécie, de colarinhos brancos e mãos sujas, bem recebidos por grupos de adeptos do mesmo clube. Estes não serão deportados, fazem parte de um time internacional, barulhento, perverso e ambicioso! Minoritário, assim espero!


Outros sairão de seus países para fazer o trabalho rude que a burguesia nativa não quer, vivendo na “ ilegalidade” cruel, sem direitos mínimos de cidadãos. Sua massiva deportação implicará em custos bilionários ao governo, em possíveis perseguições, delações de vizinhos incomodados, violências de todas as naturezas. Em contrapartida, suas ausências serão sentidas pela paralisação de serviços de grande utilidade pública. E por eles chorarão.


Há, em todos os países, imigrantes que dão certo e podemos aplaudir o mérito destes, sem perguntar-lhes o motivo, pois não somos juízes.


De modo que, nos resta observar o desenrolar dos fatos, criar políticas de acolhimento aos recém chegados para as sua sobrevivências e separar o joio do trigo aos olhos da lei. O importante mesmo é cooperar ativamente, para que mudanças necessárias ao país de origem sejam implementadas e possam dar condições de vida digna a todos os seus cidadãos, nas cidades, nas periferias e no campo já tão esvaziado!


Eu, aqui, continuo a pensar que somos todos migrantes, enquanto alimento a minha linda utopia- Por um mundo sem fronteiras!

 

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