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O Controle Social através do Doce de Chocolate.

Foto do escritor: SAUDE&LIVROS FommSAUDE&LIVROS Fomm

por Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano

Riviera Bar, anos 1970, foto da Internet


Naquela noite fria, tão paulistana, em plena ditadura militar, eu dizia a mim mesma que conversas desse tipo são muito comuns entre as mesas pretensamente intelectualizadas do velho Bar Riviera. Mas, na verdade, apesar de acostumada a ouvir as mais mirabolantes conjecturas vindas destes sadios jovens que frequentam o citado bar, eu não estava tendo muito êxito na tentativa de achar banal o diálogo dos dois "bichos” ali ao lado. Dizia um:


—                 Pois é isso, bicho, imagine, assim, que os dirigentes resolvam acabar de uma vez com essas pessoas que não lhe são... ãhn...digamos, “queridas”. Como já vimos, essa civilização estaria em adiantado desenvolvimento em relação à da terra. Então, neste nível teórico, eles são capazes de tudo, certo?


O outro, interessadíssimo:

—                 Falô, bicho.


—                 Falei. Bom, agora digamos que os dirigentes dessa sociedade resolvessem “maldizer” um determinado tipo de atitude, comportamento. Certo?


O outro sacudiu a cabeleira.

—                 Vejamos...um exemplo...Ah...Imagine o equivalente a um doce de chocolate, para esses seres desse tal planeta a que me refiro.      


—                 Ta imaginado.


—                 Bem, então alguém, subitamente, sugere que comer doce de chocolate seja um ato socialmente condenável. Depois, através de uma sutil cam­panha publicitária e também de recursos subliminares, esta ideia vai sendo veiculada, sempre não-declaradamente, até que se institua a social intolerância em relação ao hábito de comer doce de chocolate. Ora, com a segregação social, estamos a um passo da instituição social estabelecida. Você já leu o Luchman e o Berger?     


—                 Já, já... — fez o outro, com cara de enfado.



--        Claro, bicho, desculpe. Bem, então aconteceria o inevitável contro­le exercido pela sociedade contra aqueles que gostam de doce de chocolate. Breve, o doce de chocolate subiria de cotação no mercado, haveria tráfico de doce de chocolate e assim por diante, até que a própria instituição começasse, sempre por um processo subliminar, a justi­ficar-se a si própria. Teríamos, assim, as lendas sobre o doce de cho­colate. Diriam que ê um alimento maldito, que torna más as pessoas, que funciona mais ou menos como a maçã de Eva e outras besteiras homéricas a respeito, estaria despertada na população a curiosidade neurótica em relação ao doce de chocolate e suas pretensas qualidades. O Hesse você leu, e claro, não é?


Nova sacudidelas de cabeleira.

—                 Bom, assim só as pessoas com leve desajuste social comeriam doces de chocolate, ou seja, aquelas pessoas de quem Hesse diria ter o sinal de Caim, “os ímpios e os corajosos”. Também os mais ricos, os mais ricos é que poderiam pagar o exorbitante custo do doce, se por ele se interessassem. Outros ricos, não interessados, acabariam consu­mindo o doce por esnobismo em relação à proibição social do fato. Bem, para os primeiros, os reais apreciadores de doce de chocolate, estaria instituído um muito maior controle, uma vez que o indivíduo "flagrado” comendo doce de chocolate estaria desmoralizado, socialmente, sa­cou? Seu Zé, a conta...


Tive tempo de ouvi-los, ainda, quando estavam a um passo da porta:

-- O diabo, bicho, é que o nosso negócio é outro, a gente não tá nessa de poder, riqueza, prestígio e, muito menos, estamos a fim de manipular as pessoas, né?


-- Isso é pros caretas. Nosso papo é bem outro, é paz e amor. Amor, bicho, amor, e não o controle das massas...


Então, pensando que capacidade para tal não lhes faltava, suspirei aliviada:

-- Ainda bem, queridos, ainda bem...

 

 1977, junho, 26


 

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