por Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano

Por uma dessas mágicas do destino, encontraram-se no firmamento, as almas de Elizabeth Stanton (1815-1902) , Susan B. Anthony (1820 - 1906), Lucretia Mott (1783-1880), Margaret Sanger(1883-1966) e Emmeline Pankhurst.
Elas acabavam de voltar de um passeiozinho inocente pelas terras do Brasil e estavam absolutamente chocadas com tudo o que haviam presenciado. Por isso sentaram-se numa nuvem, para tomar um chazinho.
- Então foi para isso que eu tanto lutei na vida, Elizabeth? – perguntava Susan – Você deve estar lembrada do quanto apanhamos em nossas vidas para criar as condições que levariam as mulheres americanas às urnas.
- E o pior – respondeu Elizabeth, com um suspiro – é que morremos antes de conseguir o nosso objetivo...
- Mas conseguimos! – respondeu Susan – E servimos de exemplo para as gerações que nos seguiram. Foi em 1920, você se lembra? Eu morri quatorze anos antes, mas acabei sabendo.
Depois de nós, americanas, outras mulheres conseguiram o mesmo em vários países.
- E nós, que começamos todo esse movimento na Inglaterra – interrompeu Emmeline – só conseguimos oito anos depois de vocês. Mas valeu ter sido presa 12 vezes para que conseguíssemos...
- Como valeu, Emmeline? – explodiu Lucretia – como você pode imaginar que valeu, se acabamos de ver todo aquele horror lá no Brasil?
- Calma. Não foi tão horrível assim. Muitas mulheres brasileiras compareceram às urnas. – disse Susan.
- Sei – disse Lucretia – As pobres, as que não podiam ir para a praia no dia eleição. Porque o que a gente viu foi uma debandada geral no sábado, para as praias e casas de campo. Elas não estavam nem aí com o direito de votar, justificaram seu voto e pronto. Todas elas passaram o dia tomando sol, indiferentes ao exercício do direito que tanto sofremos para que elas tivessem.
A voz de Margaret Sanger soou calma:
-Meninas, vocês estão exagerando. As brasileiras estão desiludidas com a péssima qualidade dos políticos que elas têm hoje por lá. Por isso é que não acreditam mais na importância do voto. É claro que elas se importam com o direito de votar,sim.
Pior é o que fazem com o direito pelo qual eu tanto lutei para que elas tivessem. Lembrem-se de que não foram vocês apenas que sofreram perseguições. Eu fui presa, processada, exilada, ridicularizada... porque queria que as mulheres pudessem ter filhos quando e como desejassem. E, olhem, vocês viram o voto ser conquistado, na maioria dos países ocidentais, antes da metade do século XX. Quanto ao direito pelo qual eu tanto lutei, demorou muito mais! A pílula anticoncepcional só apareceu em 1960! E o que elas fazem hoje? Esquecem de tomar o remédio ou o tomam sem receita. E ainda têm aquelas que nem tomam, confiando na sorte, desprezando uma conquista feminina a duras penas atingida! Eu queria que as mulheres fossem donas de seus corpos e, vocês viram, o que elas andam fazendo com seus corpos? Têm filhos para prender os homens ou para arrancar dinheiro, posam nuas nas revistas, estragam a sua saúde com drogas e dietas absurdas apenas porque são escravas daquela imagem de fêmeas esquálidas e subnutridas que a tal da mídia de hoje impôs para elas...Um horror! Muito pior do que não votar!
- Mas o pior mesmo – disse Lucretia, sorvendo um longo gole de chá – são aquelas que dizem que não se importam com a política e recuam horrorizadas ante a possibilidade de serem tachadas de feministas!
- Também, Lucretia, disso elas não têm culpa – defendeu Susan – Essa tal dessa mídia enfiou na cabeça delas que feministas não somos nós e sim aquelas aproveitadoras que usam das nossas conquistas para arrancar dinheiro dos homens.
- Esse é o problema! – explodiu Elizabeth – Depois de tudo o que conquistamos para elas: o direito ao voto, à educação, à vida profissional, ao controle da natalidade, ao prazer sexual... Depois de tudo o que outras mulheres, depois de nós, conquistaram, elas têm todas as condições de serem donas de seu próprio destino, mas ainda acreditam que precisam arrancar dinheiro dos homens.
- A verdade – retrucou Emmeline, limpando um cisco imaginário de seu magnífico xale – é que a sociedade ainda paga mais aos homens, ainda valoriza mais o trabalho e a capacidade dos machos, do que as delas. Elas podem ter direitos, mas não têm as mesmas oportunidades e ainda são educadas para a inferioridade social.
- Mas, Emmeline – retrucou Lucretia – se elas, com todos esses direitos, ainda conseguem ser inferiores, o que dizer de nós? Nós não só fomos educadas para sermos inferiores como, de fato éramos. Não tínhamos direito a nada, nem ao voto, raramente à educação, éramos realmente tuteladas, escravas... E, mesmo assim, nos revoltamos, lutamos, fomos perseguidas...Essas mulheres de hoje já nascem com a faca e o queijo na mão e não conseguem ser livres. É um contra senso, uma verdadeira tristeza.
E ficaram, as históricas sufragistas, em silêncio, em sua nuvem, se perguntando, para que, afinal, haviam sofrido tanto quando estavam vivas.
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