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Por Telefone. Brasil, 1977.

Foto do escritor: SAUDE&LIVROS FommSAUDE&LIVROS Fomm

por Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano.

Botero, Tortura


Sabia que “eles” chegavam sempre durante a madrugada.

Mas dessa bossa de telefonemas, sequer desconfiara.

Não podia ouvir “Acorda Amor” do Chico, sem tremer.

Estava sempre atento à porta, ao cachorro.

Tinha bolado todas as saídas possíveis.

Mas, do telefone jamais desconfiara.

 

Na última reunião tinha levado uma prensa.

Um brutamontes com cara de americano adolescente.

Aproveitando-se da aglomeração, o imbecil pegara em seu corpo por trás, o cigarro – aceso é claro – dele a torrar-lhe a carne, as mãos esmagando-lhe os braços.

-- Cuidado, hein? Você tem uma cara tão boa, tão certinha, não vai querer uns desenhinhos assim nela, vai?

 

Vinha saindo do trabalho.

Na calçada – era uma bela manhã azul – aqueles tipos. Umas caras marginais, dessas de jornal... Passou direto. Provocaram. Não ligou. Por dentro, queria correr, fugir.

Estava começando a entrar em pânico. Mas do telefone... Nunca poderia imaginar.

 

Começou a se livrar do material.

Mas era dramático carregar aquelas coisas pelas ruas. Olhava pros lados. Depois não olhava. Afinal, podiam reparar que estava olhando pros lados, desconfiar... Mas...e o telefone?

 

Tocou.

As duas da manhã.

 

Estivera sonhando, uns sonhos tão excitantes. Dormia profundo.

Interrompido o sonho, apavorou-se. Telefone? Pra mim? Mas que diabos! Nenhum companheiro sabe que tenho telefone.

Vira num filme... Talvez franco americano... Não, ítalo americano... Um filme de... Bertolucci?... Não... Não se lembrava. Mas vira. O pessoal lá em Roma xingando o censor de telefone, pelo telefone.

Será que no Brasil tem censura de telefone? Tem que ter. Pois se tem censura de tudo... Jornal, rádio, TV, carta, telegrama... É... Tem que ter de telefone.

 

Era um idiota, isso sim. Um mau sujeito, um péssimo militante. Um covarde de merda!

 

Atendeu. A voz:

-- Olha aqui, seu comuna de merda, a casa está cercada. Melhor não tentar nenhuma besteira.

 

Quase morreu.

De medo.

E agora? Sair? Se entregar? Nunca! Além disso – que bosta!—não sabia de nada. Ia ser torturado pra contar o que? Era um elemento de base, cru, ignorante, não sabia de nada...Chorava.

 

Alguém sacudiu-lhe os ombros:

-- Chorando? Às duas da manhã? Mas que imbecilidade é essa?

Resposta dramática:

-- A casa está cercada; são eles, mãe! É a repressão!

 

Endoidou – concluíram os da casa. Está com mania de perseguição.

A lua lá fora não poderia ser mais inofensiva.

 

Fora um trote.

 

 2013, julho, 29.

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