Por Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano.

Em 4 de março de 2003, morria, por câncer de mama, a primeira estrela do rock nacional: Celly Campello. Nascida em São Paulo, capital, a 18 de junho de 1942, tinha, portanto, apenas 60 anos de idade.
"Rainha do Rock" e "Namoradinha do Brasil", bem antes de Rita Lee ou Regina Duarte, o rock de Celly era muito menos contestatório, bem leve mesmo, com sucessos românticos que embalavam os sonhos das meninas brasileiras, inclusive os meus.

Muito antes de explodir em popularidade, em 1959, ela já brilhava e gravava discos, aquelas bolachas pretas de vinil. Moradora da cidade de Tatuapé, no interior paulista, aos doze anos de idade, comandava um programa na local Rádio Cacique. Aos quinze, em 1958, gravou seu primeiro disco ao lado o irmão, Tony Campello.
Eu tinha, então, apenas 7 anos de idade mas, já seguidora da mídia da época, sabia exatamente quando um novo disco de Celly chegaria ao comércio e, mal amanhecia esse dia, lá estava eu azucrinando meu pai ou minha mãe para que me levassem de carro à loja de discos mais próxima.
Passava todas as horas livres ouvindo a Celly nos potentes toca-discos da sala de som do laboratório do meu pai ou, quando isso não era possível, na minha vitrolinha portátil, movida a grandes pilhas. Levava a tal vitrolinha pra escola, pro Clube, pra toda a parte e ouvia e ouvia e ouvia os muitos discos dela, que os colecionei todos, embalada por muitas músicas que ou eram versões dos hits do americano Paul Anka ou de autoria de alguns compositores nacionais e outros estrangeiros. Nunca esqueci: "versão de Fred Jorge" -- rezava a legenda sob o nome da música, na capa do disco.
Celly fazia um sucesso estrondoso. Tanto que foi o primeiro nome que veio à cabeça de Paulo Machado de Carvalho (então dono e diretor da TV Record) para comandar, ao lado de Roberto Carlos, aquele que seria o programa de maior audiência da época: Jovem Guarda. Celly não aceitou e, assim, cedeu seu lugar no trono à jovem iniciante cantora Wanderléa.
Era 1965. Nessa época, Celly já decidira, havia 3 anos, abandonar a carreira artística e se casou com José Eduardo Gomes Chacon, com quem viveu o resto de sua vida, tendo tido, com ele, dois filhos.
Dez anos depois, Celly voltou a brilhar, como um cometa, efemera e rapidamente, nos céus da música brasileira. Com a Globo "ressuscitando" seu sucesso "Estúpido Cupido", música que deu nome a uma das então novelas campeãs de audiência, Celly apareceu novamente, iluminou o firmamento por alguns breves momentos, e despareceu na escuridão do anonimato, de novo.
Por que? Por que uma mulher que era a queridinha do rock no Brasil, que faturava rios de dinheiro, que era famosa, badalada, celebrada, por que abandonaria tudo isso de repente?
A resposta hoje pode surpreender: Para casar-se.
Celly Campello não titubeou em renunciar não só à fama e ao dinheiro, mas também não hesitou em deixar milhões de fãs órfãos, apenas porque seu namoradinho de adolescência não suportava a ideia de viver "à sombra" de uma grande estrela! Seria demais para um representante do machismo da época (pior, é verdade, do que o de hoje) ser "o Sr. Celly Campello".
Chorei todas as minhas lágrimas pré-adolescentes quando ela me abandonou, assim como milhares e milhares de garotas e garotos e até de adultos, que também a admiravam. Algo muito semelhante, anos depois, ao fim dos Beatles.
Hoje, quando se completam 22 anos de sua morte, não quero eu aqui ter a pretensão de julgar, e muito menos condenar, a renúncia de Celly Campello. É coisa do tempo dela. É coisa que reflete o que estava por trás de suas baladas românticas: O amor seria maior do que a fama e o sucesso.
Sou grata a ela, por todos os momentos maravilhosos que suas canções me proporcionaram. No entanto (você, leitor, já deve ter percebido), escondido lá no mais profundo recanto da minha alma, sobra um certo ressentimento, uma tristeza oculta e inconfessável.
Apenas um ano depois da renúncia de Celly à carreira artística, a gaúcha Ieda Maria Vargas, aos 18 anos de idade, trouxe para o Brasil o primeiro então cobiçado título de Miss Universo, conquistado em 20 de julho de 1963, em Miami. Naquele tempo era imenso o prestígio dos concursos de beleza e Ieda levou o nome do Brasil a 41 países durante o seu ano de reinado. Vítima de um grave AVC, aos 55 anos de idade, ela é hoje, na cidade de Gramado, RS, onde vive, um exemplo de superação, graças à força que demonstrou ao trilhar o difícil caminho da recuperação física e mental.
No entanto, naquele longínquo 1963, Ieda teve a mesma atitude de Celly. Convidada, por Peter Sellers, a estrelar o seu depois famosíssimo filme "A Pantera Cor de Rosa", Ieda recusou, dizendo que pretendia apenas voltar ao seu país para... casar-se!
Mulheres que, até hoje, julgam-se um zero-à-esquerda se não tiverem um homem ao lado, mulheres que acreditam que o casamento é um mar de rosas e o homem escolhido, um príncipe, acabam sempre percebendo que os príncipes viram sapos e que ninguém, homem, mulher ou LGBTQIA+, pode depositar a sua própria realização no outro. Qualquer relação baseada na dependência (sexual, afetiva, econômica ou moral) está destinada ao fracasso.
Não quero diminuir o valor e a importância das vidas e do sucesso dessas duas mulheres aqui citadas, Celly e Ieda, por sua opção de priorizar o amor e o casamento, colocando-os acima de sua própria realização profissional. Mas que isso é absolutamente lamentável, é mesmo! É o reflexo de milênios de submissão feminina!
No entanto, a essas duas grandes estrelas da história brasileira, minha reverência, meus agradecimentos e minha eterna admiração!
fotos: Wikipedia - Odeon e FSP
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