por Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano

Falei tanto nelas, estudei tanto a vida delas, escrevi tanto sobre elas, trabalhei durante toda a minha vida para que a luta delas não fosse esquecida nem menosprezada, insisti em manter viva a memória delas, de seus feitos, de sua luta, de seus sofrimentos, de sua nobreza de alma, de sua valente disposição...
Vivi tanto a memória delas que, esta noite, para minha honra e alegria, sonhei que era uma delas.
De repente, vieram à moda os vestidos e saias longos. Nesses dias de friozinho paulistano em pleno verão, saí para ir à TV usando uma saia comprida, um par de botas, uma blusinha com babadinho e um blaser. Me olhei no enorme espelho do hall do apartamento, um espelho de mais de cem anos e que pertenceu à minha avó, e disse ao meu marido:
- Olha, amor, estou usando as roupas da minha avó.
E estava mesmo. Era assim que elas se vestiam no comecinho do século XX. Botinhas, saias longas, casaquinhos, blusinhas de babado...Assim se vestiam Alice Paul, Emmeline Pankhurst, Susan B. Anthony, Margaret Sanger, Emma Goldman, Elizabeth Stanton... Assim se vestia a minha avó. Assim se vestiam as nossas avós sufragistas. Elas, que tanto lutaram, para que hoje nós possamos votar, possamos pensar, possamos estudar, possamos decidir...
Sem elas, o que seria de nós?
Seríamos até hoje umas coitadas, cidadãs de segunda classe, sem direito à nada, a não ser obedecer aos nossos maridos e parir os nossos filhos. Não seríamos alfabetizadas. Não poderíamos nos realizar profissionalmente. Não votaríamos. E estaríamos à mercê dos homens que nos possuissem, primeiro nossos pais, depois nossos maridos e, na falta desses, até nossos filhos machos.
É engraçado como nós, mulheres do século XXI, nos esquecemos quase completamente das heroínas que conquistaram para nós todos os direitos sociais que temos hoje. Foram elas, nossas avós feministas e sufragistas, e apenas elas, que mudaram a perspectiva da nossa condição social. Ninguém nos deu, e nem nos daria, os direitos de presente. Tivemos que ir cavá-los. Às vezes pagando com a própria vida esta ousadia.
Por isso, nessa manhã, acordei encantada.
Tive um sonho maravilhoso. Sonhei que era uma delas. Sonhei que eu era uma sufragista e viajava pela Europa dando palestras. Usava saias longas, botas, casaquinhos e chapéus. Era vaiada e xingada em alguns lugares e ardentemente aplaudida em outros. Eu, pobre de mim, eu era uma sufragista!
Talvez o meu sonho tenha sido um presente das nossas avós, uma recompensa por todo esse trabalho que eu tive e tenho de tentar manter viva a memória delas. Acordei feliz e orgulhosa. Eu, afinal, contribuíra para tornar realidade os sonhos das mulheres.
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